Dia desses, meu marido, sabedor de meus gostos e manias, veio me contar que entraria na loja online da Playstation a versão remaster de um jogo antigo e cult: Princess Maker 2.
Nesse jogo, um simulador de princesa, você é um guerreiro que de repente ganha uma filha e precisa criá-la para que ela tenha o melhor destino (há vários e vários destinos possíveis entre bons, neutros e ruins, dependendo de suas escolhas e desempenho para determiná-lo). Como é um jogo japonês da década de 1990, tem vários exageros e fanservices possíveis, mas no geral é um jogo fofo e divertido, além do pezinho no absurdo.
Quem me contou desse jogo, lá no ensino médio, na década de 2000, foi um dos meus melhores amigos. O mesmo amigo com quem eu lia gibi da Marvel depois de passarmos no fliperama e antes de subirmos para casa. Era uma época em que começávamos a ter computadores em casa e baixávamos jogos em emuladores, então como todo mundo ali do grupo era meio nerd, gostava de joguinhos e de anime, esse material circulou entre todos nós. Então baixei o Princess Maker e passei horas e horas e horas da minha adolescência criando princesas ao som de bandas que se tornariam algumas das minhas favoritas (se eu fechar os olhos ao som dessa música, vou enxergar os frames do jogo imediatamente).
Baixar esse jogo no Playstation, já adulta, e passar um final de semana inteiro brincando de princesa foi me reconectar com essa época, com essa menina. E, confesso, foi bastante divertido criar estratégias para ver se conseguia o melhor final (não consegui! tenho de tentar mais…)
Ainda sobre nostalgia, como, já disse, a adolescente que ficava assistindo a anime com os amigos, esses tempos meu marido me chamou para assistirmos juntos a uma série chamada Frieren e a Jornada Para o Além.
A premissa é a seguinte: um grupo de guerreiros mágicos, muitos anos atrás, enfrentou um demônio. A empreitada durou cerca de dez anos nos quais conviveram uns com os outros - entre eles, a elfa Frieren. O tempo de vida de um elfo é muito maior do que o de um humano, então dez anos para ela não possuem o mesmo peso dos companheiros. Nem mesmo o passar de um século. Aí, quando ela resolve visitá-los, o tempo já passou para eles - e ela percebe que não aproveitou a década em que passaram juntos. A jornada para o além do título é a missão dela: ir ao Paraíso, onde estão as almas, para poder revê-los.
Esse anime me pegou em um ponto muito sensível: eu mesma tive meu “grupo de guerreiros” que se desmanchou com o tempo - porque a vida acontece, né - e que eu não acho que tenha aproveitado e sido digna deles. Até mesmo por demônios que enfrentava dentro de mim mesma e que só consegui nomear muitos anos depois. E a sensação da Frieren, aquele arrependimento leve do “eu poderia ter estado presente, ter vivido mais, ter aproveitado mais, mas não percebi” me é muito palpável.
Toda obra tem várias leituras possíveis - algumas intencionais, outras nem tanto. Várias e várias camadas de interpretação. Eu não sei qual é a interpretação dos jovens (que são o público-alvo), mas parece que está sendo um sucesso. Já ouvi falar que a Frieren é uma representação alegórica de uma personagem autista, por exemplo. Mas para mim, quase completando quatro décadas nesse mundo, é a da dor pelas coisas que deixamos passar enquanto estávamos fechados em nós mesmos - e da possibilidade de reconstruí-las, ainda que de uma forma diferente.
E às vezes tenho a impressão de que, nos últimos anos, alcancei várias oportunidades - se não a de fazer uma jornada ao passado e dizer para as pessoas o quanto as amava e eram importantes para mim (pode parecer piegas, mas é um sentimento bem real), mas a de ter “novas chances”e quem sabe fazer uma história com um final diferente.
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Até a próxima!
Comecei lendo uma "inocente" review de videogame, acabei levando umas bofetadas (muito necessárias) na cara. Muito bom o texto, adorei as reflexões, analogias e a forma como você resgatou esse passado!